
A iniciativa integra o programa de pesquisa e desenvolvimento da Aneel
Um novo dispositivo promete revolucionar o combate aos furtos de energia elétrica no Brasil ao rastrear, com rapidez e precisão, desvios entre a rede de distribuição e o consumo registrado pelo medidor. A ferramenta, que identifica fraudes em apenas alguns minutos e com 100% de assertividade nos testes iniciais, foi desenvolvida por pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF) em parceria com a distribuidora Light e apoio da empresa Tracel. A iniciativa integra o programa de pesquisa e desenvolvimento da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e está em fase de testes no mercado.
A necessidade de soluções como essa ganha respaldo nos números. Um levantamento da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) apontou que o estado do Rio de Janeiro liderou os índices de furto de energia no país em 2023, com 11,27 milhões de megawatts-hora (MWh) subtraídos. O estudo mostra que, a cada cem clientes regulares no estado, outros 34 realizam desvios de energia — não apenas em comunidades, mas também em áreas nobres.
O equipamento — composto por um transmissor e um receptor que se comunicam por Wi-Fi — é instalado entre a rede da distribuidora e o medidor do consumidor. Caso haja diferença entre os dois pontos, o sistema identifica a ocorrência de desvio.
Além de precisão, a inovação também entrega agilidade: enquanto as inspeções convencionais de campo duram de 15 a 20 minutos, com o novo dispositivo esse tempo cai para apenas 3 a 5 minutos — uma redução de cerca de 75%. De acordo com o professor do Programa de Pós-Graduação em Energia Elétrica e Telecomunicações da Universidade Federal Fluminense (PPGEET/UFF) e doutor em Engenharia Elétrica Henrique de Oliveira Henriques, responsável pelo desenvolvimento da tecnologia, os ensaios preliminares apontaram que o novo sistema é quatro vezes mais rápido que o sistema atual utilizado pelas empresas. Já a taxa de assertividade é de 100%, revelando, inclusive, em qual fase o desvio de energia está localizado, caso o sistema seja trifásico. Além disso, na hora você emite um termo de ocorrência e faz um cálculo da energia roubada também.
O engenheiro eletricista explica que os desvios ocorrem principalmente de duas formas: by-pass no caminho da ligação entre a rede da companhia e o medidor do consumidor; e a adulteração do medidor feita para impedir ou atrapalhar o processo de mensuração da energia, fazendo o medidor registrar valores muito inferiores ao consumo real da instalação. “Com o passar do tempo, os desvios têm sido bastante sofisticados e, na maioria das ocasiões, é preciso do auxílio de equipamentos para identificar esse tipo de furto”, detalha Henriques, ao salientar que o dispositivo é capaz de testar ambas hipóteses de maneira não invasiva.
Conforme dados da pesquisa da Abradee, a análise do cenário nacional aponta que a energia perdida entre 2008 e 2023 alcançou 500 milhões de megawatts-hora (MWh). A Light, distribuidora que atua no Rio de Janeiro, registra perdas não técnicas que ultrapassam 6,7 gigawatts por ano — o equivalente a 10% de sua receita requerida e mais da metade do mercado faturado de baixa tensão.
Hoje os desvios na energia elétrica interferem diretamente no aumento dos valores que a população paga, devido às regras de tarifação. “Na revisão tarifária, os furtos reconhecidos pela Aneel são incluídos na tarifa a ser praticada, porque a regra atual estabelece que a tarifação procura repor os custos prudentes que a empresa tem. Uma parte desses custos diz respeito às despesas relacionadas ao uso do sistema de distribuição, a TUSD. A redução do furto de energia reduz essa parcela que é repassada ao consumidor”.

Equipe da Light realiza uma inspeção com o equipamento desenvolvido
Com aplicabilidade prática e impacto potencial nas tarifas, o dispositivo desenvolvido na UFF exemplifica como a engenharia e a pesquisa acadêmica podem se traduzir em soluções concretas para problemas críticos da sociedade brasileira — em especial, em um setor tão essencial como o da energia elétrica. “O projeto representa a harmonia entre a capacidade de pesquisa e inovação da academia e o apoio de instituições privadas para a solução dos problemas reais da sociedade”, destaca Henriques. Ele também ressalta o papel estratégico da indústria nesse processo: “A participação da indústria privada é fundamental. No Brasil, as grandes empresas não têm essa cultura e preferem investir no exterior, mas estamos tentando mudar essa imagem e mostrar que podemos desenvolver projetos importantes com o investimento do setor privado”.
Como detentora dos direitos de uso do equipamento, a Light decidirá, em conjunto com a Tracel, se vai iniciar a produção em escala comercial. Enquanto isso, o protótipo segue em fase de testes, com um número restrito de unidades sendo avaliadas em campo.
Equipe de Comunicação do Confea, com informações da UFF e Agência Brasil
Fotos: Acervo do Projeto